Atividade de escrita criativa, implementada com base numa proposta de trabalho do blogue Histórias em 77 Palavras (Escritiva n.º 29 – história de amor de objetos)
1
Ana B.
Canetas, borrachas, uma tesoura, riscadas e gastas, misturadas num estojo. Sentiu-se um movimento brusco, alguém pegou nele e tirou de lá um lápis, pequenino e partido, e colocou no seu lugar uma lapiseira de plástico reluzente, de ponta novinha. Analisou bem os arredores. Viu-se observada pela caneta azul, que lia os reflexos no seu corpo com atenção. A lapiseira aproximou-se lentamente. Trocaram conversa. Ambos sorriam e gargalhavam. Instalaram-se, arrumados, juntos os dois num canto, muito amorosamente entrelaçados.
2
Joaquim C.
Sou uma blusa de algodão, inseparável de umas calças de ganga escuras. Nós éramos muito amigas e unidas até que um dia nos separaram. Senti-me triste e sozinha: “Algum dia terei um par novo?”. Gostava que fosse bom amigo e da mesma cor das antigas.
Passados uns tempos, chegaram umas calças novas e então fomo-nos conhecendo melhor até nascer uma amizade.
Porém, meses depois, o rapaz cresceu e as roupas já não serviam. Por isso, resolveu doá-las.
3
Íris A.
Eram duas companheiras, uma lapiseira e uma caneta, parecidas, mas com algumas diferenças. Um dia, foram separadas por uma situação inesperada: a caneta deixou de ter tinta, a lapiseira ainda tinha minas. Sem poderem fazer nada, a caneta foi para o lixo.
Nesse momento, sem o seu grande amor, a lapiseira sentiu-se sozinha. Passou dias sem ter ninguém para conversar, destroçada e abandonada. Mesmo com tantas outras canetas à sua volta, ninguém nunca conseguiu substituir aquele amor.
4
Lara M.
A capa e o telemóvel têm boa relação porque é o que o impede de se partir e não ter frio. Um dia, a capa estragou-se e o telemóvel ficou sozinho. Assim, veio rapidamente uma nova, que o telemóvel não gostou tanto como da antiga. Mas reparou que ela tinha mais camadas protetoras e que era mais reluzente que a outra. Por isso, com o passar do tempo, o amor despertou entre a capa e o telemóvel.
5
Guilherme D.
Sou o lápis Rabisco. Os meus últimos dias têm sido complicados. Sempre que escrevo, a minha colega borracha apaga-me as linhas. Sempre que fico sem bico, a minha colega afia não mo afia. Mas agora conheci a multifunções. É linda, metade borracha e metade afia. Fiquei logo apaixonado. Então, decidi falar com ela, perguntei-lhe se ela me podia afiar. No dia seguinte, convidei-a para jantar. Falei-lhe dos meus sentimentos e fui correspondido. Começou assim o nosso amor.
6
Vítor I.
Num quarto escuro, em cima de uma mesa, encontrava-se um teclado e um rato velho e pequeno, que sofria pela sua idade. Por outro lado, o teclado era novo, grande e brilhante.
Eles já não tinham uma relação saudável. Estavam sempre a discutir. A dada altura, o rato teve de ser substituído e veio um novo, esbelto e luminoso. O teclado, quando o viu, achou-o deslumbrante e o rato também o achou fenomenal, sexy e desenvolvido. Apaixonaram-se.
7
Beatriz B.
Sou a chave Bem! Costumávamos ser duas chaves, a Bem e o Bom. Estas últimas semanas não têm sido fáceis. Uma enorme tragédia aconteceu! O meu dono perdeu o Bom… Ainda estou a tentar recompor-me. Éramos um casal feliz, nunca nos separávamos.
Por cada porta-chaves que passávamos, olhavam-nos sempre de lado. Todos tinham inveja de termos uma conexão. Não sabíamos explicar porquê. Mas, na verdade, quando o vi, soube logo que o nosso futuro seria bem bom!
8
Joana A.
Roupa arrumada. Sapatilhas guardadas… Vejo o quão estragada uma está. Por fora, uma lástima, por dentro, magoada pelo seu aspeto gasto.
Que diferentes são, uma dominada pela vaidade e a outra muito modesta. A vaidosa era a mais estragada, daí ter sido substituída. Ficou furiosa por a terem trocado; quanto à outra, ficou desolada por ter perdido o seu amor, mas rapidamente se apaixonou pela que chegou, igualzinha a si. E assim se tornaram o casal sensação.
9
Mariana R.
Sou uma agulha e, há duas semanas, perdi a minha namorada, a linha azul. Estávamos a coser a perna de uma boneca e usámo-la toda. Fiquei uma semana parada e sozinha, mas a seguir chegou outra, a linha amarela. No início, não gostei dela, mas agora estamos a formar uma bonita amizade. Não quero substituir a linha azul, mas acho que estou apaixonada pela linha amarela e acho que ela também está a gostar bastante de mim.
10
Matilde M.
Sou um brinco solitário e triste dentro de uma caixa. Durante longos anos, sempre tive o meu par a meu lado. Mas estes tempos modernos mudaram tudo! Agora, o meu par encontrou um novo amor, que não se enquadra com nada. Nem sabe o que perdeu, eu sou magnífico.
Recentemente, entrou um brinco diferente para a caixa. Apaixonei-me! Declarei-me, mas ele estava em sofrimento e nem ligou. Eu não desisti e ele rendeu-se. É bom ser diferente!
11
Ricardo C.
Porta com fechadura. Fechadura dentro da porta. Queriam trancar a porta com uma fechadura estragada! Separaram-na da porta e eis que esta ficou triste. Em seguida, tentaram arranjar uma nova fechadura e lá encontraram uma amiga ideal para a porta.
A porta gostou tanto dela que até já dizia que tinha um novo amor… A porta, todos os dias, chorava porque não sabia como conquistá-la, por isso, comprou um buquê de flores para a encantar. E resultou!
12
Angel C.
Em tempos, já nos uniram. Já fomos felizes juntas e nunca pensei que nos iríamos ter de separar. Nós sempre sonhámos que iríamos ficar ligadas toda a vida. Não realizámos o nosso sonho por causa do amor instável dos humanos.
Mas juro que voltarei a ser a tua prometida, a tua cara-metade, a tua amada. Nunca me vou esquecer do belo par de alianças que já fomos durante muitos anos… O nosso amor não poderá acabar assim.
13
Dinis P.
Havia um telemóvel que tinha uma grande amizade com a sua protetora película.
Com ela, o telemóvel estava sempre protegido, logo estava sempre impecável. Um certo dia, o dono do telemóvel decidiu tirar a película para limpá-la e o pior aconteceu. O dono deu um toque na mesa e o telemóvel caiu ao chão. Com o susto, a película partiu-se.
Esta, após a separação, fartou-se de chorar. Já o telemóvel por outra brilhante jovem se foi apaixonar.
14
Fábio A.
Sou uma bola de futebol e vivo com os ténis azuis. Todas as tardes jogamos no campo até o Sol se pôr. Somos muito felizes porque temos uma vida simples e cheia de amor.
Ontem apanhei um grande susto! Os meus ténis azuis não apareceram para o jogo de futebol de todos os dias. Andei preocupada e fiquei durante horas triste atrás de uma porta.
Hoje de manhã, soube que os meus ténis tinham ido tomar banho.
15
Inês M.
Sou um romance com uma leitura cativante. Tive sempre uma vida tranquila numa prateleira, sem pó e bem tratado.
Porém, a minha vida mudou quando fui comprado e devorado por um humano, até ao dia em que deixei de ser útil.
Permaneci numa escura gaveta, onde encontrei a minha cara-metade: uma senhora comédia, a comédia da minha vida. Nunca, em toda a minha existência, tinha avistado tamanha beleza, o ser mais lindo estava perante os meus olhos!
16
Leonor P.
Sou o Brinco Laminco. Perdi recentemente a minha parceira de vida numa viagem. Os sentimentos de abandono e tristeza deixam-me de coração partido. De repente, olho à minha volta, parece que vejo a minha alma gémea. Uma pulseira faz os meus olhos brilhar.
Está na caixa de joias em cima da mesa. Aproximo-me e digo: “Envergonhada? Triste? És a pulseira mais linda e cintilante que já vi por aqui!”. Lançou-me um olhar apaixonado. E abraçámo-nos com carinho.
17
Ana B.
Sou o candeeiro Candeias e não tenho vida sem a lâmpada Clarinda. O meu dono tem a mania de a manter apagada. Fico triste porque ela é maravilhosa quando está a brilhar.
A Clarinda anda muito em baixo. Pensa que o nosso dono a vai trocar por uma moderna. Tinha razão, isso aconteceu mesmo. Fiquei muito desolado e magoado com o meu dono!
Foram momentos de uma vida inteira que se apagaram por completo. É muito injusto…
18
David V.
Eu sou apenas uma simples televisão. Sou usada pelos humanos, mas, sem o meu comando, eu não sou ninguém. Quando alguém me liga, só tenho olhos para o meu querido comando. Não suportaria que um humano o perdesse. Quando me ligam com um comando que não é o meu, eu recuso-me a funcionar e desligo-me até que encontrem o meu mais-que-tudo. Adoro as formas dele, a sua dedicação e a sua personalidade carinhosa. Juntos somos um só!
19
Isabel M.
Sou uma carteira recheada! Tenho amigas importantes para mim: notas e moedas de grande valor. Hoje, um humano tirou-me parte delas. Nunca me senti tão mal. Nada me pode fazer feliz. Perdi membros do meu grupo… E sempre que fico próxima de novas moedas e notas, vem um humano e substitui-as por outras. Não consigo parar de pensar se um dia terei estabilidade nas amizades que faço. Detesto toda esta insegurança. Quem me dera que fosse diferente!
20
Janne B.
Éramos umas meias diferentes e confortáveis, éramos as meias favoritas da Lara, mas, infelizmente, perdi o meu par. Hoje ele encontra-se todo rasgado no lixo.
Agora eu sou apenas uma meia perdida numa gaveta da Lara. Sinto falta dele, do meu parceiro. Às vezes, pergunto-me se o meu amigo estará bem, se ele terá saudades minhas como eu tenho dele.
Sinto-me muito solitária, há momentos em que só queria voltar a vê-lo mesmo que fosse no lixo.
21
Miriam N.
Sou um caderno de apontamentos! Ultimamente, os dias têm sido horríveis. Eu já fui feliz quando era rechonchudo, elegante e todo decorado de autocolantes. Mas o meu dono diverte-se a arrancar as minhas folhas e, claramente, que elas não duram para sempre. Comecei então a ficar magro, gasto e já não sou bonito sem os meus amores. Acho que ele deveria ter-se preocupado mais comigo, pois agora não passo de um caderno disforme, magricela e sem amor!
CONTOS
Uma aventura no manicómio
Era uma vez uma menina chamada Carminho que tinha uma irmã mais velha, a Caetana. A Caetana era estudante de enfermagem e estava, na altura de estagiar, em vários hospitais para, futuramente, escolher a especialidade que queria seguir como enfermeira.
Tudo começou quando Caetana foi estagiar para um manicómio, no Telhal. Quando Caetana soube que ia para lá, ficou muito assustada, pois era um sítio isolado, sem nada por perto e bastante sinistro.
Para a realização do estágio, ofereciam-lhe um quarto dentro do hospital, mas quando ela chegou ao quarto, deparou-se com uma grande desilusão. Era um quarto pequeno, frio e sem condições praticamente nenhumas, ela ficou apavorada. Para piorar a situação, o quarto ficava exatamente em frente à igreja do hospital, que, por sinal, também era sinistra.
Para facilitar a circulação dentro do hospital, em vez de se andar por fora dos edifícios, havia túneis, mas não eram uns túneis quaisquer, eram obscuros e muito apertados. Caetana ligou aos pais apavorada.
Os dias foram-se passando e, certo dia, quando ia a pegar no carro para ir ao supermercado mais perto, o carro não funcionava, tinha avariado! Ela ficou desesperada, pois estava sozinha, num sítio desconhecido, e precisava de ir às compras, uma vez que já quase não tinha comida. Tornou a ligar aos pais a contar tudo o que se passara e os pais decidiram que iam lá no dia seguinte. E assim foi, eles foram, ajudaram-na e acalmaram-na.
Caetana e Carminho sempre foram muito unidas e sempre contaram tudo uma à outra, por isso, Caetana contou a Carminho que costumava ouvir barulhos vindos dos túneis. Os barulhos eram sempre à mesma hora (às 22h00) e parecia que vinham sempre do mesmo sítio.
Carminho ficou logo alerta, pois ela adorava uma boa aventura. Todos os dias ela perguntava a Caetana se os barulhos continuavam e Caetana dizia sempre que sim.
Carminho contou aos amigos e, como eles também adoravam uma boa aventura, decidiram ir investigar. No dia seguinte, partiram de autocarro para o Telhal. Na viagem, Carminho ia com os seus amigos Benedita, Henrique, João e Afonso.
Quando lá chegaram, foram ter com Caetana e esperaram pelas 22h00 para poderem partir à aventura.
Eram 22h00 em ponto e lá se começou a ouvir o tal barulho, eles foram seguindo para ver de que parte dos túneis vinha o barulho. Quando lá chegaram, depararam-se com uma enorme surpresa. O barulho vinha de um paciente do manicómio, que estava deitado sobre o chão a cantar, olhando para as estrelas através de uma claraboia que havia no túnel. Ele cantava uma canção calminha, com uma melodia suave e doce.
Os cinco amigos foram ter com ele e perguntaram-lhe o porquê de estar a cantar aquela cantiga, àquela hora, naquele sítio.
Ele, como era uma pessoa doente, que tinha problemas, ficou reticente, mas, por fim, acabou por lhes dizer que cantava aquela canção, àquela hora, naquele sítio, pois era a que a mãe lhe cantava para o embalar quando era pequenino e, como a mãe já tinha falecido, ele cantava a olhar para as estrelas do céu.
A história comoveu tudo e todos, por isso, o diretor do hospital acabou por transferi-lo para uma ala mais antiga, onde havia um quarto com uma claraboia circular. E aí ele passou a poder cantar para a mãe no seu conforto.
Matilde M.
As aventuras de um menino im(perfeito)
Era uma vez um menino chamado Francisco. Vivia em Santana de Portel, uma pequena aldeia do Alentejo, onde, além dele, só havia mais sete crianças. Tinha quatro anos e, durante o dia, frequentava a pequenina creche da aldeia. Após as dezasseis horas, ficava ao cuidado da bisavó, a dona Bia, uma senhora cuja vivência era nas lides do campo, mas que se viu obrigada a arregaçar as mangas e a assumir a responsabilidade de cuidar dele quando, aos dois anos, ficou órfão de pai e mãe. Foi o único sobrevivente de um acidente de viação, que vitimou os ocupantes do veículo.
Muitos dos habitantes dessa aldeia, que conviviam com o Francisco, comentavam entre si que ele parecia ser uma criança diferente das outras, comportava-se, às vezes, de forma estranha e até imprevisível. No entanto, o pequeno Francisco parecia viver num mundo só seu em que era feliz e onde o céu era o limite apesar de ser apelidado por muitos de “coitadinho”, que passava o tempo a fazer patifarias.
Muitas das suas atitudes eram tão esquisitas que poucas vezes o convidavam para participar em atividades com as poucas crianças da aldeia. Apesar disso, era o menino dos olhos da bisavó porque era ele a sua companhia. Aos seus olhos, era o mais bonito, o mais inteligente e o mais meigo. Seria impossível que, no coração da dona Bia, alguém pudesse ocupar o seu lugar.
Quando estava bom tempo, o Francisco gostava de ir passear com a bisavó para a ajudar a tratar de alguns animais, que estavam num quintal, na outra ponta da aldeia. Lá, valia tudo. Usava a mangueira de pressão e os animais fugiam dele como se o mundo fosse acabar. Trocava o comer destinado às galinhas e acabava por dá-lo aos porcos, às ovelhas e aos coelhos. Tudo era para o Francisco uma enorme diversão!
Um dia, num desses passeios, duas velhotas que estavam sentadas à porta chamaram: “Ó Bia, anda cá!” e a bisavó do Francisco dirigiu-se a elas. Disse então uma das senhoras: “Olha lá uma coisa, o teu neto não é muito certo, pois não? É que ele só faz patifarias, nós ralhamos com ele, ele ri-se e continua na vidinha dele.”
A dona Bia ficou espantada e, ao mesmo tempo, triste e enraivada, no entanto, disse, toda despachada, à senhora que a tinha abordado sobre o comportamento do seu bisneto “Olhem, o meu neto é imperfeito!”. As senhoras, com ar pasmado, olharam uma para a outra e encolheram os ombros sem perceber a resposta dada pela bisavó. Foi então que a dona Bia repostou: “O Francisco nasceu surdo, ficou órfão aos dois anos e, mesmo assim, consegue ser feliz e fazer felizes aqueles que o rodeiam.”.
Cada um vê o mundo a partir da sua perspetiva, por isso, não devemos julgar os outros pelo que vemos, mas sim pelo que são.
Joana A.
A órfã e o menino de olhos de botão
Marina é uma órfã que vive num orfanato desde pequena, é feliz com as freiras que lá trabalhavam. Marina tem cabelos ruivos e olhos verdes.
Certo dia, no orfanato, Marina vestiu a sua blusa com riscas vermelhas e amarelas, com as suas jardineiras, e correu para um jardim perto do orfanato. Só as crianças mais velhas podiam sair do orfanato para ir ao jardim ou à vila. Como Marina tinha completado a idade de poder sair, podia ir para o jardim e, por isso, estava tão apressada.
Nesse jardim, havia um lago e uma ponte de pedra, que tinha muitas flores, para lá da ponte existia um bosque.
Marina correu para a ponte, mas foi parada por uma pedra no caminho. Ela caiu e ficou com um arranhão no joelho e alguns pequenos na cara, levantou-se e seguiu caminho.
Colheu algumas flores e tentou fazer uma coroa de flores. Quando acabou de a fazer, sentiu uma brisa que ia em direção ao bosque, o que chamou a atenção de Marina.
Marina não sabia se deveria ir ou ficar, pois lembrava-se de ouvir as irmãs dizerem alguma coisa sobre o bosque, mas não se lembrava do que era, então decidiu apenas atravessar a ponte para espreitar e depois voltava.
Mas, quando Marina estava a meio da ponte, sentiu algo estranho, ficou arrepiada e voltou para trás.
— Amanhã tento outra vez, sem medo! — disse Marina.
E, na manhã seguinte, lá estava Marina. No início da ponte, e com coragem, começou a andar, chegou a meio da ponte e outra vez ficou arrepiada com aquele sentimento estranho, mas engoliu em seco, fechou os olhos e começou a andar outra vez. Quando estava quase a chegar ao final da ponte, um vento forte empurrou-a para trás e, com surpresa, caiu. Assustada, levantou-se e correu para o orfanato muito depressa.
Chegou a noite e Marina não conseguia dormir, só conseguia olhar para fora da janela do seu quarto, que tinha vista para o bosque. Enquanto olhava, de repente, apareceu uma sombra de um menino na ponte, estava a brincar com o vento e com borboletas. Não conseguia ver-lhe a cara, pois estava escuro.
Na manhã seguinte, lá estava Marina no meio da ponte, cheia de coragem para a atravessar. Marina fechou os olhos e começou a andar, parou quando sentiu que pisava a relva. Quando abriu os olhos, sentiu-se observada como se alguém escondido a estivesse a ver.
Marina começou a andar e quando olhou para cima, umas folhas caíram, parecia que alguma coisa se tinha mexido para elas caírem. Marina, curiosa, perguntou:
— Quem está aí?
— Sou eu, o Óscar!
— Ah! — Marina grita assustada. Não me assustes mais assim, espera, quem és tu?
— Sou o Óscar.
Óscar era um menino com os cabelos castanhos e encaracolados e com os olhos pretos. Marina ficou apenas a olhar para o menino, enquanto o mesmo sorria a olhar para ela. Depois de alguns minutos calados, o menino decide falar.
— Estás bem?
Marina não responde e continua a olhar para ele.
— Alô? Ei! Estás aí?
— Ah, desculpa.
— Estou à espera que me digas o teu nome.
— Chamo-me Marina.
— No que estavas a pensar? — perguntou o menino, curioso.
— Estava a olhar para os teus olhos.
— Porquê?
— Porque eles são diferentes, fazem-me lembrar de botões.
— Botões? Nunca ninguém me tinha dito isso — o menino sorri — enfim, anda, eu quero mostrar-te o bosque.
Óscar pega-lhe na mão e os dois correm para dentro do bosque. Quando escureceu, voltaram para a frente da ponte e Marina começou a correr para o orfanato.
— Amanhã de manhã, no mesmo sítio, estou aqui à tua espera — gritou o menino do outro lado da ponte.
E assim foi, no outro dia de manhã, lá estava Marina para mais uma aventura no bosque.
Os dois começaram a fazer isto todos os dias e todos os dias, quando se viam, Marina lembrava-se sempre de falar dos olhos de botão de Óscar. Assim nasceu e cresceu a amizade entre uma menina órfã e um menino de olhos de botão.
Soraia L.
Um rapaz com gostos diferentes
Marco vivia numa vila sossegada. Era um rapaz aparentemente normal, mas com gostos diferentes dos outros rapazes porque gostava de dança, por isso, quando entrava na escola, chamavam-lhe logo gay. O melhor amigo de Marco era o Pop, o único ser que não o julgava, o seu cão fiel. Com ele, falava de tudo.
Um dia, quando Marco entrou na escola, reparou num folheto para um concurso de dança. Decidiu logo inscrever-se. Quando chegou a casa para contar a novidade ao Pop, percebeu que ele estava doente. Gritou pelos pais e levaram-no ao veterinário. Era o princípio de uma grave doença e dificilmente o Pop sobreviveria.
Enquanto passeava pelo lugar onde costumava divertir-se com o Pop, viu uma rapariga a dançar. Foi ter com ela e perguntou-lhe se podiam dançar os dois. Dançaram e conversaram até o sol se pôr. Soube depois que ela se chamava Mara e que ele acabara de fazer uma nova amiga. Quando chegou a casa, Marco contou as novidades ao Pop, que já tinha regressado do hospital veterinário.
No dia seguinte, quando ia a caminho da escola, viu a Mara. Foi ter com ela e perguntou-lhe se queria participar com ele no concurso de dança. Ela aceitou. Foram conversando e rindo até à escola. Entretanto, a saúde do Pop ia ficando pior.
No parque da vila, Marco e Mara começaram a treinar para o concurso, já tinham a coreografia pronta e faltavam três dias apenas para a competição.
Na manhã antes do concurso, Marco treinou com a amiga. Quando chegou a casa e entrou no quarto, viu o seu melhor amigo morto. Ficou ao lado dele a chorar. Depois avisou Mara por SMS e ela foi ter com ele. Animou-o, disse-lhe que ia ficar tudo bem e que deviam deixar o Pop orgulhoso no concurso.
Quando entraram em palco, a plateia ficou admirada por ver Marco a enfrentar os preconceitos. O par começou a dançar e deixou toda a gente emocionada. Marco e Mara ficaram em primeiro lugar.
De regresso a casa, Marco disse aos pais que queria fazer um funeral ao Pop e foi-se deitar, pois, no dia seguinte, tinha aulas. De manhã, Mara estava à porta da casa dele, à sua espera. Quando chegam à escola, havia uma multidão ao portão. Marco e Mara entram e foram até ao cacifo de Marco. Quando ele lá chegou, ficou muito emocionado com a homenagem que a multidão fizera ao Pop. Ao lado do cacifo, estavam muitas flores e um texto lindo com palavras afetuosas e amigas.
Marco adorou, pela primeira vez, o seu dia de escola. Desta vez, saiu chorando de alegria e emoção. No dia seguinte, com a ajuda dos seus pais e de Mara, enterraram o Pop no quintal lá de casa.
José F.
A vida de Diogo
O meu nome é Diogo. A minha infância foi deslumbrante, com amigos que me ajudavam e uma família que me apoiava em todos os momentos, mas a minha adolescência não foi muito simples.
Ao mudar-me para o secundário, os meus problemas foram ganhando uma dimensão extrema… Tudo começou quando descobri que a minha orientação sexual não era igual à da maioria dos rapazes e contar aos meus pais não foi propriamente uma decisão fácil.
“Seja qual for a tua escolha estamos aqui sempre para te apoiar!” disse a minha mãe, abraçando-me. Mas ao olhar para a expressão do meu pai, deduzi que não fosse esse o seu pensamento. A reação dele deixou-me perturbado e, nessa noite, saí de casa e acabei por descarregar na bebida.
Com o passar do tempo, ele foi aceitando a minha sexualidade e, quando um dia me perguntou se queria ir ver um jogo de futebol com ele, pensei que estava tudo finalmente a voltar à normalidade. Enganei-me. Soube nessa altura que os meus pais tencionavam divorciar-se e eu tive medo.
Fugi para o meu refúgio, a praia. Refleti sobre o assunto e percebi que a palavra mais estapafúrdia tinha saído da minha boca da forma mais injusta: “Odeio-vos!” quando eu os amava. Andava confuso.
Certo dia, conheci um rapaz na praia que me ofereceu droga. Nunca em toda a minha vida tinha imaginado a drogar-me, mas estava de cabeça quente. Aceitei e rapidamente juntei todas as minhas forças para deixar de consumir.
Foi nessa fase que conheci a Margarida, uma aluna nova da minha turma, simpática, gira e com muito estilo. Reparou no meu cansaço constante e alertou-me para ir ao médico. Não segui logo seu conselho. Soube depois que estava canceroso e tinha de fazer quimioterapia. Chorei muito a pensar como seria a minha vida dali para a frente. A minha mãe abraçou-me lavada em lágrimas e o meu pai disse-me apenas que ia ficar tudo bem…
Nos tratamentos, conheci o rapaz mais interessante que alguma vez tinha visto e que me ajudou muito. Costumava dizer-me “Sei por experiência própria que ao princípio parece uma notícia devastadora, mas no fim vai ficar tudo bem!”
Todos os restantes dias de quimioterapia conhecia melhor o meu novo amigo, o Artur, e todos os dias ele me dava a conhecer mais sobre o mundo.
Um dia, ao olhar para a sua cadeira, por mais estranho que parecesse, ele não estava lá sentado. Naquele corredor via as enfermeiras a fazer normalmente o seu trabalho, como se estivesse tudo bem, mas, na verdade, nada estava bem porque ele não estava ali. Ele não estava a ler o seu livro enquanto levava o que chamávamos de veneno e, por momentos, pensei no pior…
Foi então que apareceu uma enfermeira, a comentar que tínhamos perdido a melhor pessoa que tinha passado por aquele hospital. Percebi que não só estava a pensar no pior como tinha acontecido o pior.
O Artur tinha partido. Nunca mais iria ouvi-lo a contar as suas histórias, nunca mais veria a sua face, nunca mais ouviria as suas gargalhadas, que cativavam todo o seu redor. Mas, na minha memória e no meu coração, continuava vivo. Perdê-lo foi das maiores dores que senti, amo-o, amei-o e vou amá-lo até ao último suspiro que me leve ao seu encontro...
Inês M.
Mundo mágico
Começou tudo numa bela manhã, com o céu azul e pássaros a cantar. Eu, sem nada para fazer, tive a brilhante ideia de ir passear na floresta, mal sabia o que ia acontecer. Fui sozinha a ouvir música nos fones…
Quando cheguei ao caminho para entrar na floresta, parecia um conto de fadas, estava tudo muito alegre, com cores, simplesmente mágico.
Segui em frente até encontrar dois caminhos, um para a esquerda e outro para a direita, fui para o da esquerda. Andei uns cinco minutos, tudo muito bonito, estava só a sentir o cheiro da natureza e a observar. Até que vi um minicaminho, cheio de flores e pedrinhas.
Como sou curiosa, fui ver o que era. De repente, parece que vi uma casinha, mas parecia muito fofa e querida. Fui mais perto, pode parecer mentira o que vou dizer, mas a casa tinha a forma de um cogumelo, sim, aqueles vermelhos com pintinhas brancas, superfofo! A casinha tinha uma porta de madeira e uma daquelas janelas arredondadas em cima, também tinha um miniquintal, com muitos tipos de flores.
Quando vi aquilo, eu pensava que estava a sonhar, estava tudo tão perfeito e calmo que parecia mentira.
Bati à porta e, mal a abriram, assustei-me, mas não de má vista. Parecia que a porta se estava a abrir sozinha, mas, quando olhei para baixo, vi um anão superfofo. Disse-lhe “Bom dia”, ele foi muito simpático e deixou-me entrar.
Vocês nem imaginam como era a casa, era coberta de madeira, tudo era de madeira e a decoração era muito harmoniosa. Havia muitos vasinhos com flores ou então plantas caídas dos vasos. Também havia uma mesinha pequena e umas cadeiras pintadas à mão, com desenhos muito originais e alegres. Sabem como se chamava o anão? Sr. Alturas!
Ele foi-me mostrar o andar de cima, as escadas eram lindas e pequeninas. Quando lá cheguei, reparei noutro anão. Era a filha dele, a Cerejinha. Também era muito simpática.
Como ia a dizer, o andar de cima tinha dois quartos e uma casa de banho. Assim que entrei na casa de banho, bati com a cabeça na porta, já era de esperar porque a casa é habitada por anões. Ficámos a falar algum tempo até à hora de almoçar. Fomos depois à horta deles, sim, eles tinham uma pequena horta no quintal deles. Fizemos uma salada de pepino e tomate, estava muito apetitosa.
A seguir de almoçar, fomos pintar umas telas. O Sr. Alturas pintava muito bem, então ensinou-me algumas técnicas. Ficámos a pintar algumas horas, depois fui fazer um bolo de iogurte para lancharmos todos. Eles nunca tinham provado, mas gostaram muito.
De seguida, fomos cultivar alguns legumes, como tomate, alface, alho francês, couve-roxa, entre outros. Nunca pensei que cultivar e tratar de uma simples horta fosse tão divertido, comecei logo a pensar que mal chegasse a casa, ia dizer à minha mãe para termos uma horta também.
Passado algum tempo, tive de ir embora. Então eles decidiram acompanhar-me e fomos a conversar pelo caminho. Despedi-me deles e fui o resto do percurso a pensar no que tinha acabado de acontecer. Este passeio foi a melhor coisa que decidi fazer na minha vida.
Ana B.
REFLEXÃO
As memórias que eu deixaria
Alguns podem até pensar que o amor é algo perfeito, genuíno e que surge quando o brilho de dois olhares se conecta numa conversa muda, mas, para ser sincera, eu nunca acreditei no amor. Ele tem o mesmo efeito que tomar cinco comprimidos de nicotina, ficamos cegos e morremos lentamente nas palavras de um ser temporário, que nos promete uma eternidade.
Apaixono-me pelas maiores futilidades desta sentença a que chamamos vida. Coisas mínimas transmitem uma paz absoluta a alguém pensativo como eu. Alguém que sente uma brandura inexplicável pelo pôr-do-sol, pela sua cor e pela maneira como incendeia o meu olhar esverdeado. A música é a minha casa, o lugar onde me resguardo sempre que a minha mente se torna minha inimiga. As palavras fazem de mim a sua prisioneira e pintam perfeitas histórias em que penso todas as noites se um dia desfrutarão de sucesso. Talvez alguns chamem a isto “amor”, talvez alguns digam que são “tolices”, mas, para mim, são as pequenas perfeições do mundo que se escondem atrás de grandes satisfações.
Quando começamos a pensar em partir, começamos um caminho que não tem volta, ou ficamos a meio dele e mudamos completamente ou acabamo-lo e mudamos as pessoas que ficam para trás. Na vida, quando somos uma pessoa intensa, é difícil viver apenas de um lado. Ou somos realmente felizes e com um sorriso aberto e puro ou então deixamos escorrer as lágrimas mais profundas e pesadas por um rosto sólido que apenas nós próprios reconhecemos. E fazemos a pergunta: “Como reagiriam as pessoas à minha partida?”
Bem, a minha mãe ficaria destroçada e lembrar-se-ia de todas as fotos e vídeos que me fez tirar em criança, de todas as nossas gargalhadas, de todos os avisos que me fez, de como cuidou de mim e não pôde continuar a cuidar.
O meu pai choraria com o peso dos nossos domingos a cantar músicas do Sporting no meio da sala, dos sorrisos que me roubava sempre que estava triste, dos seus conselhos e da maneira como me defendia sempre que a mãe se chateava comigo. A culpa também lhe ocuparia parte do coração, culpa de não ter podido estar mais presente na minha infância e boa parte da adolescência.
O meu irmão sentir-se-ia também culpado por não ter passado mais tempo comigo, mas eu saberia eternamente que ele me amou desde a minha primeira palavra até ao meu último suspiro.
Os meus avós recordar-se-iam de como me ensinaram a ser quem eu fui. Como me ensinaram o básico de matemática, de como me ensinaram a escrever, de como eu brincava e cantava no quintal ou de como eu queria sempre ajudar e ser boa pessoa.
Os meus amigos lembrariam a minha faceta de verdadeira felicidade. A Inês choraria oceanos de memórias: gargalhadas, fotos, vídeos, abraços, músicas, dedicatórias, conselhos, etc. Possivelmente, falaria de mim com lágrimas nos olhos, por eu ter sido a pessoa incrível que ela não se cansava de mencionar.
O João perderia uma das suas melhores amigas, a mais preocupada, a que mais amava a sua gargalhada contagiante, a que tinha um “coração de rochedo”, a que andava sempre com o telemóvel na mão para registar os momentos mais cativantes.
A Raquel perderia a sua irmã mais velha. Teria saudades da maneira como lhe penteava o cabelo, de como entrava pela porta da sua casa às oito e meia da manhã para não chegar atrasada às aulas, de como me fazia rir quase todos os dias em quase todas as horas senão minutos, de como estava sempre lá para ela nos seus piores momentos e ela para os meus.
O António perderia uma das suas amigas de infância. Provavelmente, não se lembraria de mim, mas, quando se lembrasse, recordaria a pessoa sorridente e simpática do grupo, como a da cadeira de trás que lhe passava as respostas dos testes e de como ele notava sempre que eu não estava bem.
Muitos outros sentiriam a falta da minha presença, da maneira como eu era viva e intensa, mas o pior de ser uma pessoa intensa é que ou nós pegamos fogo ou apagamos a chama. E, no meu caso, eu tentei viver com a chama mais acesa e iluminada, mas não consegui mantê-la vibrante o suficiente e, depois de tanto tentar esconder uma dor enorme por trás de um sorriso branco, umas gargalhadas altas ou um olhar repleto de clareza, apercebi-me de que estar vivo não é sinónimo de viver, nem nunca o será.
Leonor P.
Crónica de um furto
Naquele dia, o sol brilhava e refletia-se nas folhas das árvores, nos rios e na porcelana da gente rica. Não soprava vento nem chovia e quem para aquilo olhasse, não fosse pelas folhas secas e alaranjadas que vestiam o chão, diria que era um dia de verão quimérico.
Uma menina de mãos delicadas dobrava e trançava vimes e sorria às vezes parando para olhar para as nuvens, observando as suas formas. Numa manhã anterior àquela, a avó requisitou-lhe gentilmente, estirada no seu catre e entre tosses, que fosse mais ágil na produção dos cestos.
A doença da mais velha ia piorando com o tempo e o dinheiro não chegava para pagar os remédios de que tanto necessitava. São precisos mais cestos, dizia ela. E a menina só acenou com a cabeça, com um olhar apreensivo.
Um dia, surgiu-lhe certa ideia. Tinha ouvido sair da boca das senhoras que usavam vestidos de seda e dos fulanos namoradeiros que discutiam presentes dispendiosos para oferecer às suas amadas que, numa loja perto das vivendas daquela rua, estava exposta uma relíquia de encanto inimaginável. As joias que aí havia resplandeciam à claridade do dia, mas as esmeraldas verdejantes daquela relíquia, cuidadosamente dispostas sobre um fio dourado, sobressaíam entre o luxo de toda a loja. E a elite assim falava do brilho daquele tesouro e do balúrdio que custava. E por três noites e três dias pensou naquilo. Decidiu agir.
O céu ardia com o fogo do sol poente. O frio instalava-se na cidade e, aos poucos, o céu preparava-se para escurecer como madeira que queimava lentamente nas lareiras das moradias. A loja ainda estava aberta. A menina entrou, assobiando imperturbada, de mãos nos bolsos das roupas rotas e acastanhadas. Aproximou-se, sorrateiramente, do pedestal onde o adorno embelezava a loja. E num piscar de olhos estava a menina escapando do estabelecimento com o colar na algibeira.
Pedidos de ajuda ecoavam na sua cabeça ao mesmo ritmo que o seu coração batia. Os seus pés afundaram na relva, numa travagem bruta. Ouviu-se um suspiro, seguido de respiração cansada, e continuou a correria. E ela pisava também as raízes das árvores, as ervas daninhas e o solo seco que, brevemente, com a chegada das chuvas de inverno, se tornaria lama. Não era a única a correr. Atrás dela uma horda de pessoas estugava também, sem destino concreto, seguindo os seus passos, e gritava Lá vai ela! Não a percam!, apressando-se.
Com tanta pressa, a menina perdeu-se. Olhou em volta e não via nem a parede familiar da sua casa, coberta de heras, nem o pequeno assento de madeira onde outrora descansava a sua avó todas as manhãs. Via apenas o azul extenso das águas salgadas que se misturava com o do céu no horizonte. Era um caminho sem fim. Estava encurralada. A multidão aproximava-se, injuriando e amaldiçoando a rapariga. E com tanto empurrão, no meio da confusão, caiu-lhe o colar do bolso, sem que ninguém reparasse.
A menina estendeu o braço e, num movimento brusco, subitamente, fez o colar erguer-se do chão, mas apenas para cair na água do mar, abaixo da falésia. E o brilho cintilante das esmeraldas viridentes afogava agora naquele oceano para nunca mais ser admirado, não fosse o caso de as encontrarem anos ou séculos mais tarde ainda tão reluzentes como nesse dia…
Ana B.
Homenagem à Poesia
Esta atividade de escrita criativa foi desenvolvida com base no desafio n.º 35 - partindo de dois versos de autor, lançado pela escritora Margarida Fonseca Santos no seu blogue Histórias em 77 palavras.
UMA PAIXÃO
Sem um beijo, sem uma Ave-Maria
Sem um carinho, sem paixão
Assim me deito a pensar em ti
E sonho perdida de emoção
Foi pena aquelas palavras cruas
E por isso acabou a relação
Ainda tenho saudades tuas
E da nossa antiga ligação
Embarcarei noutra aventura
E esquecerei essa paixão
Conhecerei nova criatura
Libertarei o meu coração
Na esperança de um amor perfeito
Procuro nova emoção
Tentarei se puder porque
Trago d’amargura o coração desfeito…
(António Nobre, “Aqui, sobre estas águas cor de azeite” - Sem um beijo, sem uma Ave-Maria e Guerra Junqueiro, “Regresso ao lar” - Trago d’amargura o coração desfeito…)
Sofia N.
PARA TI VOLTAREI...
De ti me separei na primavera
De ti me separei com um sol radiante
De ti me separei com chuva nos meus olhos
A saudade bate forte e estou sem norte
Correrei para te ver, não te quero perder
Não desistirei de te procurar e contigo vou ficar
Desistir não é opção, sigo sempre o coração
Sei que te vou encontrar porque contigo quero estar
Se amor não é, qual é o meu sentimento?
(William Shakespeare, “Soneto XCVIII” - De ti me separei na primavera e Francesco Petrarca, “Soneto 132” - Se amor não é, qual é o sentimento?)
Guilherme D.
O TUBARÃO
Cercaram-me as ondas do alto mar
Não havia ninguém para me ajudar
No pequeno barco estava eu
Sem ninguém para me ajudar
Gritava de sofrimento
Para alguém me levar
Até que apareceu outro barco
Remei até ele
Mas não vi ninguém
Comecei gritando e chorando
Sem ninguém para me ajudar
Até que um homem apareceu
Lá fomos nós
Até que vimos um tubarão
Mordeu-me a mão
Demos-lhe um empurrão e
Com dor, da gente fugia
(Mendinho, “Estava eu na ermida de São Simeão” – Cercaram-me as ondas do alto mar e Sá de Miranda, “Comigo me desavim” – Com dor, da gente fugia)
Francisco E.
PINTAR OU DESENHAR?
Seus olhos – se eu sei pintar
Como gostava de pintá-los ou desenhá-los
Estou perdido nas minhas decisões
Sou tímido e falo pouco
Gosto de pintar ou de desenhar
Eu estou sempre a sonhar
Tenho de aprender a tomar decisões
Eu não sei o que quero
Não sei por onde vou, estou perdido
Gosto de pintar ou de desenhar
Agora tomo as minhas decisões
Pinto e desenho… Isto sim
É querer estar preso por vontade
(Almeida Garrett, “Seus olhos” - Seus olhos – se eu sei pintar e Luís de Camões, “Amor é um fogo que arde sem se ver” - É querer estar preso por vontade)
David P.
ILUSÃO
Eu esperando o meu amigo
Esperando alguém
Perdido na vastidão
Do céu escuro
Num barco solitário
No oceano imenso
Olhando para as estrelas
Em nenhuma há salvação
Quanto mais espero
Menos alma tenho
Nesta folha eu desespero
Porque a minha mente vê rochas
A minha mente ouve cantar
Por perto há uma sereia
Então há salvação
Nado para uma ilusão
Estou muito cansado
Cansado para nadar
Fecho os olhos e ouço
Que a sereia canta bela…
(Mendinho, “Estava eu na ermida de São Simeão” - Eu esperando o meu amigo e Almeida Garrett, “Barca bela” - Que a sereia canta bela…)
Nuno R.
AMOR
Não tinham luz de brilhar
Mas um brilho de apaixonar
De noite se viam
E de dia dormiam
Ele fazia palhaçada
Ela ficava corada
Os pais não gostavam
Mas eles ignoravam
Já não se podiam ver
Sem saber o que fazer
Às escondidas se encontravam
E ali os dois ficavam
Mais tarde encontrados eles foram
E nunca mais se viram
Saudades atrás de saudades
Daquilo que descobriram
O amor deles não morre
É força que viva
(Almeida Garrett, “Seus olhos” – Não tinham luz de brilhar e Luís de Camões, “Endechas a Bárbara escrava” – é força que viva)
Janne B.